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Eleições nos EUA: políticos que destruíram a nossa democracia querem que votemos para salvá-los. Por Chris Hedges
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Dando o que Falar
Qua, 09 de Novembro de 2022 08:40

chris-hedgesO projeto bipartidário (Democratas & Republicanos) para desmantelar a nossa democracia – que ocorreu nas últimas décadas, a serviço das corporações e dos ricos – deixou apenas a casca externa da democracia. Os tribunais, os corpos legislativos, o ramo executivo e as mídias, incluindo a radiodifusão pública, são prisioneiros do poder corporativo. Não resta instituição alguma que possa ser considerada autenticamente democrática. O golpe de Estado corporativo foi concluído. Eles ganharam. Nós perdemos.

Os destroços deste projeto neoliberal é apavorante: guerras fúteis e sem fim para enriquecer o complexo-militar-industrial que sangra o Tesouro dos EUA em metade de todos os gastos discricionários; a desindustrialização que tornou as cidades estadunidenses em ruínas decadentes; o corte e a privatização dos programas sociais, incluindo a educação, os serviços públicos e os cuidados de saúde – o que resultou em mais de um milhão de estadunidenses constituindo um quinto das mortes globais por Covid, apesar que nós sermos 4% da população mundial; formas draconianas de controle social corporificados em polícias militarizadas funcionando como exércitos letais de ocupação de áreas urbanas pobres; o maior sistema de prisões do mundo; a evasão virtual de impostos por parte dos indivíduos mais ricos e das corporações; eleições saturadas de dinheiro, que perpetua o nosso sistema de suborno legalizado; e a mais intrusiva vigilância do Estado sobre a cidadania da nossa história.

Nos “Estados Unidos da Amnésia”, para citar Gore Vidal, a imprensa corporativa e a classe dominante criaram personagens ficcionais de ‘tudo-bem’ como candidatos, eles tratam as campanhas eleitorais como se fosse um dia nas corridas de cavalos e encobrem o fato de que, em todas as questões importantes – desde acordos comerciais até a guerra – há pouca diferença entre Democratas e Republicanos. O Partido Democrata e Joe Biden não são menos maus; ao invés disso, como assinalou Glen Ford, eles são “o mal mais eficaz”.

Biden apoiou a campanha para desacreditar e humilhar Anita Hill para nomear Clarence Thomas para a Corte Suprema. Ele foi um dos principais arquitetos das guerras sem fim no Oriente Médio, conclamando para “derrubar Saddam Hussein” cinco anos antes da invasão do Iraque. Ele reabilitou o mandatário de facto da Arábia Saudita, o Príncipe Herdeiro Mohammed bin Salman, depois de jurar que iria fazer aquele país um pária por causa do assassinato do colunista do Washington Post Jamal Khashoggi. Biden é um fervoroso apoiador de Israel, chamando aquele Estado de apartheid de “a singular e grande força que os EUA têm no Oriente Médio” e declarando: “eu sou um sionista. Você não tem que ser judeu para ser sionista”. As suas campanhas eleitorais têm sido generosamente financiadas pelo lobby de Israel há pelo menos duas décadas.

Nos anos de 1970, ele lutou contra os ônibus escolares de-segregadores raciais, argumentando que a segregação racial era benéfica para os negros. Ele e o senador racista do estado da Carolina do Sul, Strom Thurmond, patrocinaram o Ato Abrangente de Controle do Crime de 1984 [Comprehensive Crime Control Act of 1984], que eliminou a liberdade condicional de prisioneiros federais e limitou o período de tempo que as sentenças poderiam ser reduzidas por bom comportamento. Biden patrocinou e promoveu agressivamente o projeto de lei sobre o crime – o qual ele também ajudou a redigir – conclamando pela sua aprovação porque “nós temos predadores nas nossas ruas que a sociedade criou, em parte devido à sua negligência”. O projeto de lei expandiu a pena de morte a dezenas de crimes federais existentes e novos e impunha a prisão vitalícia para um terceiro crime violento – também conhecido como a regra de “três ataques e você está fora” – mais do que duplicando a população carcerária da nação. O projeto provia fundos para adicionar mais 100.000 policiais e para a construção de novas prisões – com a condição que os prisioneiros cumprissem as suas penas inteiras. Ele fez passar o Ato Antiterrorismo e de Sentença de Morte Efetiva de 1996, o que eliminou o mandado judicial federal de habeas corpus, aboliu os direitos dos prisioneiros no corredor da morte e impôs regras federais duras de sentença.

Biden assume crédito por escrever o Ato Patriótico de 2001 [2001 Patriot Act], o qual expandiu a capacidade do governo de monitorar o telefone e as comunicações por e-mail de qualquer pessoa, de coletar registros bancários e relatórios de crédito e rastrear atividades na internet. Ele apoiou os programas de austeridade, incluindo a destruição do sistema de bem-estar social e os cortes na Seguridade Social. Ele batalhou pela aprovação do acordo NAFTA e outros acordos de “livre comércio” que alimentaram a desigualdade, a desindustrialização e uma queda significativa nos salários e a “offshorização” de milhões de empregos industriais dos EUA para trabalhadores mal pagos que labutam em indústrias precárias em países como o México, a Malásia, a China ou o Vietnã.

Ele também apoiou a Reforma da Imigração Ilegal e o Ato de Responsabilidade do Imigrante [Illegal Immigration Reform and Immigrant Responsibility Act of 1996] – os quais, como escreve a organização Human Rights Watch, “eliminaram as defesas-chave contra a deportação e sujeitaram muitos mais imigrantes à detenção e deportação, incluindo residentes legais permanentes.

Biden se opôs durante um longo tempo ao aborto, escrevendo em uma carta a um constituinte: “Aqueles de nós que se opõem aos abortos não devem ser forçados a pagar por eles. Como você pode saber, eu tenho votado consistentemente contra – em não menos de 50 ocasiões o financiamento federal de abortos”.

Ele esteve na vanguarda da desregulamentação da indústria bancária e da abolição da Lei Glass-Steagall, o que contribuiu para o colapso financeiro global de 2007-2008 – incluindo a falência de cerca de 500 bancos. Ele é um dos favoritos das indústrias com fins lucrativos dos seguros e farmacêutica – as quais contribuíram com US$ 6,3 milhões para a sua campanha presidencial de 2020, quase quatro vezes mais dinheiro do que eles doaram para a campanha eleitoral de Donald Trump. Biden e os Democratas aumentam anualmente o orçamento militar, aprovando US$ 813 bilhões para o ano fiscal de 2023. Ele e os Democratas proveram US$ 60 bilhões em ajuda militar e assistência para a guerra na Ucrânia – a qual não tem um fim visível. No Senado dos EUA, Biden serviu abjetamente aos interesses da holding bancária MBNA, a maior empresa independente de cartões de crédito dos EUA, com sede no estado de Delaware [pelo qual Biden foi senador durante décadas] – a qual também empregou o filho de Biden, Hunter.

As decisões de políticos como Biden têm um custo humano assombroso – não só para os pobres, os trabalhadores e a classe média que encolhe, mas para milhões de pessoas no Oriente Médio, milhões de famílias dilaceradas pela encarceração em massa, milhões mais forçadas à falência pelo sistema médico mercenário com fins lucrativos, no qual se permite legalmente às corporações de manterem crianças doentes como reféns, enquanto os seus frenéticos pais vão à falência para salvá-las, milhões que se viciam em opioides e centenas de milhares que morrem disto, milhões à quem é negada a assistência de bem-estar e todos nós que estamos à caminho da extinção por causa da recusa de inibir a ganância e o poder destrutivo da indústria de combustíveis fósseis – a qual pilhou US$ 2,8 bilhões por dia em lucros nos últimos 50 anos.

Moralmente vazio e de inteligência limitada, Biden é responsável por mais sofrimentos e mortes nos EUA e no estrangeiro do que Donald Trump. Mas as vítimas no nosso show de pancadas das mídias são invisibilizadas. E é por isso que as vítimas desprezam a superestrutura inteira e querem desmantelá-la.

Estes políticos do ‘establishment’ e os juízes por eles nomeados promulgaram leis que permitem ao 1% do topo saquear US$ 54 trilhões dos 90% de baixo, entre 1975 e 2022, numa razão de US$ 2,5 trilhões por ano – segundo um estudo da corporação RAND. O solo fértil dos nossos destroços políticos, econômicos, culturais e sociais geraram uma gama de neofascistas, vigaristas, racistas, criminosos, charlatães, teóricos da conspiração, milícias de direita e demagogos que logo tomarão o poder.

Sociedades decaídas – como a Alemanha de Weimar e a antiga Iugoslávia, que eu cobri para o The New York Times – sempre vomitam deformidades políticas que expressam o ódio que um público traído sente por uma classe dominante corrupta e pelo liberalismo falido. O ocaso dos impérios Grego, Romano, Otomano, dos Habsburgo e da Rússia não foram diferentes.

Estas deformidades políticas desempenham o papel do clã Snopes na trilogia de William Faulkner “The Hamlet”, “The Town” e “The Mansion”. O clã Snopes assumiu o controle no Sul [dos EUA] de uma elite aristocrática degenerada. Flem Snopes a sua família extendida – que inclui um assassino, um pedófilo, um bígamo, um incendiário, um homem mentalmente incapacitado que copula com uma vaca e um parente que vende entradas para assistir a bestialidade – são representações fictícias da escória que sequestrou o Partido Republicano.

“Conquanto seja acurada, a referência usual à ‘amoralidade’ não é suficientemente distintiva e, por si só, não nos permite localizá-la num momento histórico, como deveria ser.

“Deixe um mundo colapsar no Sul ou na Rússia, e aparecerão figuras de ambição grosseira abrindo caminho desde abaixo do fundo social, homens para quem alegações morais não são apenas absurdas quanto incompreensíveis, filhos de homens do mato ou muxiques à deriva, vindo de qualquer lugar e assumindo o controle através do puro ultraje da sua força monolítica”, escreveu Howe. “Eles se tornam presidentes de bancos locais e de comitês de partidos regionais; mais tarde, uns poucos ascendem com seus músculos ao Congresso ou ao Politburo. Catadores sem inibição, eles não precisam acreditar no desmoronado código oficial da sua sociedade; eles só precisam aprender a imitar os seus sons.”

Para milhões de estadunidenses irados, liberdade se tornou a liberdade de odiar, a liberdade de usar palavras pejorativas como “nigger” [negro], “kike” [judeu], “spic” [hispânico], “chink” [asiático], “raghead” [árabes] e “fag” [homossexual]; a liberdade de atacar fisicamente muçulmanos, trabalhadores sem documentos, mulheres, afro-americanos, homossexuais e qualquer um que ouse criticar o fascismo cristão deles; a liberdade de celebrar movimentos e figuras históricas que as elites educadas em faculdades condenam, incluindo a Ku Klux Klan e a Confederação; a liberdade de ridicularizar e repudiar os intelectuais, as ideias, a ciência e a cultura; a liberdade de silenciar aqueles que têm lhes dito como se comportar; a liberdade de deleitar-se na hipermasculinidade, no racismo, no sexismo, na violência e no patriarcado.

Estes criptofascistas sempre fizeram parte do panorama estadunidense, mas a privação de direitos de milhões de americanos, especialmente de americanos brancos, inflamou estes ódios. Votar pelos arquitetos daquilo que o filósofo político Sheldon Wolin chama de o nosso sistema de “totalitarismo invertido” não fará com que eles vão embora; na verdade, isso desacreditará ainda mais as ideias liberais e a democracia liberal. Isto coloca os liberais numa sinuca de bico terrível. Eles têm todo o direito de temer a extrema direita. Todos os cenários obscuros estão corretos. Porém, ao apoiarem Biden e o partido corporativo dominante, eles garantem a sua irrelevância política.

O Partido Democrata gastou milhões para financiar candidatos da direita “tocadores de gaita de foles” [fazedores de vento, papo furado], presumindo que eles seriam mais fáceis de derrotar – uma tática totalmente copiada da campanha eleitoral de Bill Clinton, que “elevou” Trump secretamente, na esperança de que ele vencesse a nomeação Republicana. Eles trabalharam para censurar os críticos da esquerda e da direita nas mídias sociais. Eles alegam que são o último baluarte contra a tirania. Nenhum destes subterfúgios funcionará. Os EUA descenderão para um autoritarismo do tipo de Viktor Orbán [presidente da Hungria], sem reformas políticas, sociais e econômicas profundas.

Depois que a guerra no Iraque azedou, eu, como alguém que se opôs publicamente à invasão e foi o chefe do bureau do Oriente Médio do The New York Times, frequentemente era perguntado o que deveríamos fazer agora. Eu respondia que o Iraque não poderia mais ser refeito. Ele estava quebrado. Nós o quebramos. Aqueles que me perguntam se deveríamos apoiar os Democratas como uma tática para impedir o descenso à tirania estão em um dilema similar. A minha resposta não é diferente. Nós deveríamos ter abandonado o Partido Democrático enquanto ainda tínhamos uma chance.

Chris Hedges

Jornalista vencedor do Pulitzer Prize (maior prêmio do jornalismo nos EUA), foi correspondente estrangeiro do New York Times, trabalhou para o The Dallas Morning News, The Christian Science Monitor e NPR.

Artigo de Chris Hedges originalmente publicado no site do autor em 06/11/22. Traduzido e adaptado por Rubens Turkienicz com exclusividade para o Brasil 247

Eleições nos EUA: políticos que destruíram a nossa democracia querem que votemos para salvá-los - Chris Hedges - Brasil 247

 

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